A LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS?
(Pedro
Américo)
A libertação
dos escravos, datada de 1889, é um óleo sobre tela do pintor e desenhista
brasileiro Pedro Américo.
A obra retrata o período de transição entre Império e
o advento da República a partir do evento histórico da Abolição da Escravatura
no Brasil.
A pintura se assemelha a um esboço, pois no mesmo período em que
o artista iniciou o trabalho, o evento da proclamação da República mudara o seu
foco.
A cena principal encontra-se na alegoria da Escravidão, representada
na imagem de um demônio morto, junto da Liberdade, representada na figura de
uma mulher.
A composição simboliza, assim, a morte das desgraças derivadas da
escravidão.
Descrição
A obra
ambienta uma cena bastante dramática em que, ao centro, vemos três escravos
negros ajoelhados diante de figuras com trajes que, somados à arquitetura ao
fundo, remetem à antiguidade clássica.
A figura da Liberdade, que está logo à
frente de dois escravos, é quem quebra as correntes que prendem eles.
Bem ao
lado, há também um garotinho negro sentado no chão, ele está de cabeça
baixa.
Já às costas do grupo, o espectador se depara com a figura de um
demônio morto, que traz a representação da escravidão sendo morta.
Atrás deste
eixo central, à esquerda do quadro, o espectador encontra uma composição
piramidal da figura da Vitória alada, acompanhada pelos gênios da Música e do
Amor.
Ao passo que, ao alto e à direita, encontra-se representada por uma cruz
resplandecente sustentada por anjos a cristandade.
Um muro em
formato de arco delimita visualmente a composição.
E, junto aos degraus em
primeiro plano, dão a impressão de passar-se diante de um teatro de arena.
Pedro Américo utiliza-se justamente deste elemento arquitetônico para
espetaculizar o cenário da tela.
Sentada num
trono localizado no eixo central, e coberta por um manto verde e murça amarela,
uma das alegorias traz um cetro na mão.
E há ainda várias mulheres outras
mulheres dispostas pelo quadro, algumas encontram-se assentadas e outras de
pé.
Contexto
Pedro
Américo é considerado um dos maiores pintores do Segundo Império brasileiro, e
também o mais popular, dentro e fora do país.
O conjunto de suas pinturas
inaugurou uma nova fase nas artes plásticas nacionais, denominada progresso.
Ele desempenhou diferentes atividades (como professor, ensaísta, chargista,
redator, filósofo, romancista e até líder político) que, além de assinalarem a
personalidade agitada que Pedro Américo tinha, apontam também para a
insistência dele em superar os limites impostos pelo meio em que estava
inserido.
O artista
começou a esboçar o quadro ainda em 1886 e, para compreendê-lo, é preciso
inseri-lo na realidade que lhe antecede.
A Libertação dos Escravos faz parte
das tantas pinturas que foram encomendadas a ele pelo Estado, como a Batalha de
Avaí, inspirada num episódio da Guerra do Paraguai, e O grito do Ipiranga, sua
obra mais célebre, vinculada à Independência do Brasil.
As alegorias
com a temática abolicionista foram ganhando espaço nos anos 1880 ao mesmo tempo
em que o movimento abolicionista propriamente dito, no momento em que toma as
ruas, recebeu o mesmo acompanhamento plástico.
Pedro Américo ficou
reconhecido como um dos intelectuais que mais se dedicaram no fortalecimento e
engrandecimento da cultura nacional.
Um reflexo forte disso está na atividade
parlamentar que exerceu na Primeira Constituinte da República, período em que
deixara evidente seu comprometimento em aprimorar a sociedade por meio de
projetos educativos e culturais.
Datada do
período de transição entre os dois regimes, a Libertação dos escravos foi
concebida num contexto de grande efervescência intelectual.
O pensamento
nacional da época voltava-se para a necessidade de intervenção política.
O
espaço comum de marginalização dos intelectuais desta geração desencadeava
críticas ao regime imperial.
E os artistas, literatas, cientistas e jornalistas
manifestavam seu posicionamento dentro dos campos específicos que faziam parte
e, paralelamente, atuando na política como parlamentares, ministros, diplomatas
e outros cargos públicos.
O artista,
vindo ainda menino do sertão paraibano e vítima das secas na região, logo
tornou-se um homem ilustre.
Pedro Américo estudou na Academia Imperial de
Belas-Artes (entre 1855 e 1859) e chegou a ganhar as principais premiações da
instituição, valendo-lhe o apelido de papa-medalhas.
Em seguida, estudou também
em Paris, entre 1859 a 1864, aprimorando-se no ambiente cultural da velha
cidade.
Tais eventos, somados à concessão especial do imperador - permitindo
que realizasse os estudos na capital francesa - e à fama que conquistara no
ambiente da Corte, foram responsáveis por incitar a inveja e o ressentimento de
alguns contemporâneos seus.
No decorrer
da carreira, Pedro Américo veio a sofrer uma perseguição tão sistemática e
implacável como a de poucos artistas e intelectuais brasileiros.
Muitas das
campanhas difamatórias contra o pintor eram, na verdade, veladamente vinculadas
ao trono imperial e aos interesses da elite cultural do período.
As calúnias
tinham por objetivo destruir a imagem do jovem bem dotado frente ao poder
imperial e impedir que sua posição na sociedade ascendesse.
Pedro II foi quem
reconhecera o talento inato de Pedro Américo, assim como sua ambição de vir a
ser um dos grandes do Império quando ainda jovem.
Desde o tempo em que deixou a
pequena Areia, na Paraíba, em busca de arte e reconhecimento, ele recebeu a
proteção do Império - até a derrocada deste mesmo.
Análise
A natureza
marcadamente alegórica da obra de Pedro Américo, com a figura da Escravidão, da
Liberdade, da Vitória alada, além das cores utilizadas, seguem um curso traçado
desde a década de 1870 em que a argumentação abolicionista encontra seu meio
privilegiado de expressão nas figuras alegóricas.
O espectador é levado a uma
reflexão quanto à ética, à moral e, principalmente, ao patriotismo, partindo
das alegorias.
Estas, almejam representar uma ideia por meio de determinada
inferência moral e também exercer um papel educativo junto ao público.
As figuras
femininas, os anjos, as vestimentas que usam e a composição em grupo - disposta
em blocos piramidais - se relacionam com obras anteriores deste mesmo artista,
como A Noite e os Gênios do Estudo e do Amor, de 1883.
Os elementos centrais da
obra estão na disposição cenográfica e no discernimento do espaço arquitetônico
como um elemento delimitador do acontecimento narrativo.
É bem
provável que a figura alegórica sentada ao centro num trono (e carregando um
cetro na mão) seja a figura da princesa Isabel - a responsável por assinar a
Lei Áurea que marcou a Abolição da Escravatura no país.
Os interesses
pessoais de Pedro Américo, ao produzir esta tela, vinculam-se diretamente a
posições ideológicas dos momentos finais do Império.
Assim, é possível supor
que a obra, concluída já no advento da República, propositalmente enaltece um
evento histórico conduzido pela princesa que não era vantajoso aos olhos
republicanos.
A exaltação da princesa através das alegorias utilizadas
relaciona-se com as minuciosidades e conturbações do período histórico.
Além das
alegorias, outro aspecto forte na obra é a teatralização.
O cuidado com o
retrato da morte do demônio da Escravidão constata a dramaticidade do evento e
reforça, já em primeiro plano na tela, que, caso ele estivesse apenas rendido
ou subjugado, deixaria a possibilidade de que voltasse a incomodar no
futuro.
Outra
impressão passada na obra é de que os negros agradecem de forma submissa pela
conquista da liberdade, como se abolição fosse uma espécie de dádiva dada aos
escravos e eles tivessem um papel apenas passivo neste curso.
Tal representação
têm sido utilizada como fonte de pesquisa por artistas mais atuais e também tem
servido de crítica política para as imagens de arquivo como um meio para
ampliar o horizonte de expectativas à frente, no que diz respeito às questões
raciais colocadas nas pinturas brasileiras.
O fato de
terem sido encomendas acarreta em uma certa influência na construção dos
registros narrativos das telas.
A cruz etérea erguida ao fundo da Arena,
representando uma metáfora cristã, junto do escravo eufórico diante da
Liberdade, enquanto sauda-a, são concessões que remetem a mesma ideia de
gratidão e apontam para o silenciamento quanto à participação da população
negra no processo de abolição.
E trata-se de um ponto comum não só nesta, como
também em outras obras da época que também dizem respeito às leis
emancipatórias.
A
historiografia sobre o período pós-abolição no Brasil e nas Américas,
recorrentemente, percorre a complexidade da forma como se deu o longo processo
dos negros passarem de escravos, ex-escravos, africanos livres à categoria
social de "cidadãos" reconhecidos. Já que a pintura histórica passa a
cair em desuso só a partir do século XX.
Em A
libertação dos escravos o aparente cansaço dos escravos e o aspecto de não
terem as suas faces visíveis enquanto ajoelham-se em gratidão a uma figura
branca alegórica exemplifica o imaginário próprio da época.
Soma-se a isto, as
características do coral localizado ao fundo da tela, que é também composto
apenas por anjos brancos, cantando em direção aos céus.
A combinação
das alegorias dispostas numa esfera semelhante a de república e também a mulher
sentada no trono central, imediatamente identificada por contemporâneos pela
Princesa Isabel, demonstram a ambivalência presente na pintura.
A pintura é
especificamente marcada pela instabilidade que circundou o momento de execução
do quadro, em 1889, e pela maleabilidade política do autor.
Pedro Américo foi
um dos pintores que liderou o regime imperial, mas a seguir, depois de 1890,
veio a se tornar um republicano.
A mensagem política que permeia a pintura pode
explicar o motivo pelo o qual sua versão final nunca fora criada, sendo assim
considerada apenas um estudo em esboço.
Foi a
imediata proclamação da República que tirou a atenção de Pedro Américo da tela
monumental que retratava a Abolição da Escravatura, depositando-a na
proclamação da República,que veio a desembocar no quadro Indepedência ou
Morte.
A seguir, o
ano de 1890 seria ainda um ano crucial nas riquezas do mundo da arte
brasileira.
Quando a Academia Imperial foi obrigada a renunciar à suas
associações profundamente enraizadas com o Imperador e a reinventar a si mesma
debaixo da alcunha da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA).
Um antigo grupo de
artistas resguardados foi forçado a sair - incluindo Pedro Américo e Victor
Meirelles - e um novo foi inaugurado, com o auxílio financeiro de diretores da
Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) sob o regime republicano.
Referências
Nogueira e Lanzellotti, Patrícia e Tuanny.
«"A Libertação dos Escravos":
representação e ideais no período de
transição entre Império e República (1888-1889)». USP Digital.
Consultado em 14
de outubro de 2017.
«Pedro Américo – A LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS».
VÍRUS DA ARTE & CIA. 2 de julho de 2015
Amancio, Kleber (2013).
«A representação visual
do negro na primeira república» (PDF).
XXVII Simpósio Nacional de História.
Consultado em 18 de novembro de 2016.
«19&20 - Pax et Concordia:
A arquitetura
como caminho da alegoria, por Rafael Alves Pinto Junior».
www.dezenovevinte.net.
Consultado em 19 de novembro de 2017.
Silva, Silvano (2011).
«Uma Batalha em Forma
de Biografia:
Memória e Emoção Estética na Conformação da Imagem do Pintor
Pedro Américo» (PDF).
Revista Científica do Departamento de Comunicação Social
da Universidade Federal do Maranhão - UFMA.
Consultado em 18 de novembro de
2017.
«Pedro Américo -- Britannica Escola».
escola.britannica.com.br. Consultado em 19 de novembro de 2017.
«19&20 - A Presença negra nas telas:
Visita às exposições do circuito da Academia Imperial de Belas Artes na década
de 1880, por Heloisa Pires Lima». www.dezenovevinte.net. Consultado em 19 de
novembro de 2017.
Carneio; Guimarães, Marcia; Brunno (2014).
«Os
Retratos de uma Nova Nação: Brasil, Entre o Império e a República do Século
XIX» (PDF).
VII World Congress on Communication and Arts. Consultado em 18 de
novembro de 2014.
«Vista do História como fonte artística:
explicando arquivos, criando imagens; criando arquivos, explicando imagens».
seer.assis.unesp.br.
Consultado em 19 de novembro de 2017.
Cardoso, Rafael (2015). «The Problem
of Race in Brazilian Painting, c. 1850–1920» (PDF).
Association of Art Historians.
Consultado em 18 de novembro de 2017.
LINK:
Reprodução
de um quadro
"A Lei Áurea",
de autoria do pintor Miguel Navarro
Cañizares,de 1888.
O quadro pertence ao acervo do Museu de Belas Artes da
Bahia.
O interessante é que nunca foi reproduzido em livro ou revista.
“Alegoria da
Lei Áurea”,
pintura de Miguel Navarro Canizares 1888.
A
representação visual do negro na primeira república
A pintura é
(...) um meio de investigação; um modo de descobrir o que acontece com
valores e estímulos por meio da verificação prática do que é preciso para
fazer deles uma pintura (...).
T.J. Clark
O presente
texto encerra-se num exercício que aspira arrazoar como os negros foram
representados visualmente pela pintura brasileira durante a primeira república,mais
precisamente dos anos iniciais do novo regime.
Gostaria de frisar que o recorte
não é exatamente
politico e tampouco procurará qualquer tipo de articulação fácil com essas esferas mais
tradicionais do poder.
É uma escolha que nasce da observação empírica e da
constatação de que esse período, por várias razões – das quais podemos destacar
a abolição, as
transformações ocorridas na arte brasileira e até mesmo a própria mudança
de regime –
promove certas mudanças cuja exploração me parece válida.
Apropriandome da definição
de Mário Pedrosa, temos que a arte (sobretudo aquela realizada na modernidade)
é a representação de um mundo perceptível através da forma plástica.
É uma
“interpretação da realidade” que se exprime por intuições; não com conceitos.
Esses são
aplicáveis à fala discursiva, uma operação sensivelmente diferente que desagua em
canais outros.
Segundo esse autor:
Mas enquanto
os símbolos linguísticos (na língua falada, na
Lógica, na
Matemática etc.) têm valor cognitivo ou informativo preciso,
subordinados a determinado processo conceitual e, por assim dizer,
da mesma qualidade espiritual que aceituais ou utilitários
destinados a transmitir informações de ordem.
15 DE NOVEMBRO O CONTRA GOLPE
15 de
Novembro é a data que todo brasileiro, por determinação da Republica Maçônica
Revolucionária, celebra o GOLPE DE ESTADO de 1889.
O primeiro executado pelos
Militares num conluio com barões escravocatas, que magoados com o Império por
conta abolição da escravatura no ano anterior, ato que lhes causou muito
prejuízo, simplesmente resolveram tomar o poder como forma de vingança.
No ano
seguinte, em 1890, temendo que os ex-escravos se instalassem nas terras virgens
e se tornassem pequenos fazendeiros que viessem a concorrer com seus monopólios
agrícolas, o novo regime republicano inicia então o processo de leilão de
terras brasileiras desocupadas, exclusivamente por meio de pagamento a vista,
principalmente entre barões e coronéis.
Para se ter uma ideia, entre 1890 e
1930 nada menos que 40% do território do interior paulista foi leioloado pela
velha República, de modo a impedir que trabalhadores livres pudessem plantar em
suas próprias áreas. Isso apenas em São Paulo.
Vale notar
que antes disso o Reino de Portugal não leiolava terras, uma vez que pelos
critérios da Coroa, a principal condição para se reconhecer uma propriedade
rural era que a mesma fosse cultivada e prosperasse.
O coronelismo e seus
latifúndios improdutivos foi uma criação da República Velha.
O golpe da
República foi o segundo golpe de Estado neste país; o primeiro havia sido o
golpe da Independência em 1822.
Sim, usei a
palavra "golpe" três vezes na última frase para que não restem
dúvidas.
Parabéns
"República" do Brasil por mais este infame feriado nacional.
Mas ao
brasileiro médio o que conta é o feriado.
Comentários
Postar um comentário