O PACIFICADOR GENOCIDA DUQUE DE CAXIAS PATRONO DO EXÉRCITO BRASILEIRO E DA POLICIA MILITAR (DIA DO SOLDADO)

 

AS DUAS FACES DE DUQUE DE CAXIAS

Em um dos seus primeiros discursos após a eleição 2019, o próximo presidente Jair Bolsonaro citou Duque de Caxias, um dos maiores nomes militares e herói do exército brasileiro. Conheça sua história.

“Não sou Caxias [Duque de Caxias], mas sigo o exemplo desse grande herói brasileiro. Vamos pacificar o Brasil e, sob a Constituição e as leis, vamos constituir uma grande nação”.

Isso imediatamente me acendeu um sinal de alerta, a figura do patrono das Forças Armadas é um tanto quanto controversa e as formas de repressão que lhe renderam o título de “pacificador” não seriam aceitas por nenhum tribunal de justiça minimamente comprometido com a preservação da dignidade humana.

Revisar a história dessa figura é entrar em um grande combate travado há décadas entre historiadores e os militares que carregam sua visão nacional-patriótica e foram responsáveis pela construção do mito. Uma construção tida por muitos como desumanizadora, como descrito por Francisco Doratioto: “A historiografia escrita por autores militares desumanizou Caxias, ao apresentá-lo como soldado e cidadão sem falhas. A artificialidade dessa imagem contribuiu para a pouca identificação com ela por parte do cidadão comum”.

A verdade era que Luís Alves de Lima e Silva ou Duque de Caxias era um homem daquela época. Nasceu em 25 de agosto de 1803 e como um homem de seu tempo, era imperialista e escravocrata. Todo o conceito de sociedade e paz que o governo queria para o Brasil não compreendia a vida dos índios ou negros e seus descendentes. Qualquer “raça” que fosse considerada inferior à elite brasileira poderia ser exterminada sem nenhum escrúpulo, se a Coroa considerasse assim necessário para manter a ordem ou aumentar seu poder econômico.

Os tempos mudaram, as pessoas também. Convivemos no Brasil com indivíduos que, antigamente, estavam em lados opostos e essa nova realidade nos dá a liberdade de olhar para trás e repudiar comportamentos sórdidos, entender suas motivações e principalmente o seu impacto na vida de cada um - apesar disso, ainda há aqueles que digam coisas como “esqueçam as perversões daquele tempo, não podemos julgá-las”. Oportunamente (ou não), são sempre aqueles que descendem de quem não foi oprimido.

Revisitando uma das primeiras campanhas de pacificação, encarada pelo militar, podemos entender o seu total desprezo por certas comunidades.


10 Mil mortos na Balaiada

No final de 1838 a população pobre do Maranhão sofria na mão de ricos e policiais que deveriam manter a ordem. O sentimento era de abuso por parte das oligarquias da província. Certo dia Manuel Francisco dos Anjos, o "Balaio" viu policiais estuprarem suas duas filhas. Para piorar a situação, era costume do exército prender pobres indesejados como recrutamento forçado, (que foi amplamente utilizado, posteriormente, na guerra do Paraguai). A prisão do irmão do vaqueiro Raimundo Gomes somou forças para a explosão de uma revolta popular, alcançando 12 mil homens contra o governo.

Mesmo sem estratégia, uma organização rural e desarticulada, os balaios venceram alguns confrontos. Não demorou para tomarem a cidade de Caxias. Após essas vitórias, então, entra na história o coronel Luís Alves de Lima e Silva.

Ele foi enviado pela regência, como Presidente e Comandante das Armas da Província. Cavalaria, Canhões e armas de fogo foram organizados contra a guerrilha que utilizava foices, facões e algumas armas de fogo que conseguiam nas fazendas tomadas.

A violência do ataque era para evitar que a revolta desse exemplos a outras que estavam acontecendo naquele período. Dois fatores podem ter impulsionado isso: O governo regente criado enquanto Pedro II não alcançasse a maioridade, enfrentava várias insurreições; as histórias sobre a independência do Haiti em 1804 deixava vários impérios com medo de algo, tendo em vista que a maior parte da população do Maranhão era de pretos e mestiços (caboclos, cafuzos etc).

Contam que o combate entre os balaios e o exército imperial foi sangrento. Os revoltosos estavam ruindo, mas ainda receberam o apoio do líder Quilombola Cosme Bento das Chagas com um número de 3.000 pretos. Mesmo assim, os balaios não foram páreo para a força militar organizada, 10 mil pessoas foram massacradas em nome de uma "política da pacificação". Comunidades inteiras eram ameaçadas, caso dessem apoio para algum deles.

Em agosto de 1840, Pedro II havia alcançado a ''maioridade'' e Luís Alves de Lima e Silva decidiu espalhar, uma proclamação que dizia: “ Uma nova época abriu-se aos destinos da grande família brasileira.[…] Aproveitai-a. Amor ao Imperador, respeito às leis e esquecimento das vergonhosas intrigas que só tem servido para enfraquecer. Um só partido enfim, o do Imperador.”...

É claro que esse partido único e essa família brasileira desprezava qualquer um daqueles pretos e mestiços do estado do Maranhão. "Hoje historiadores já escrevem sobre essa nova versão. A versão dos vencidos, dos balaios como verdadeiros heróis na batalha contra os opressores", disse o pesquisador Wibson Carvalho.

O Massacre de Porongos

A prova dessa pacificação seletiva, beneficiadora das elites, é a atuação de Caxias na revolta Farroupilha. Conhecido um dos episódios mais vergonhosos, desleais e intragáveis da história brasileira. 

A famosa Guerra de Farrapos colocou do lado o império contra os proprietários de terras escravagistas. Na época o Brasil era dividido em províncias e o RS era a província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Os farrapos queriam independência. Os insurgentes gaúchos, proprietários rurais reivindicavam um tratamento mais privilegiado como a diminuição dos impostos. A província já vinha de um amplo histórico de divisões ideológicas com o Governo Regente, por várias vezes tentaram instaurar um governo próprio. Até que assim fizeram em 1836. 

Quando, foi proclamada a República Rio-Grandense, as regras poderiam ser diferentes, inclusive as leis de escravidão. Os Rio-grandenses estavam longe de serem abolicionistas visionários da liberdade, só que a guerra que durava anos necessitava de recursos bélicos, principalmente soldados. Logo, os negros, foram convidados para a luta pela nova república sob a promessa de receberem a liberdade quando a guerra chegasse ao fim. Morrer no campo de batalha era melhor do que no tronco com grilhões, muitos agarraram a chance com fervor. 

Dois corpos militares foram criados, com mais de 400 homens que vinham inicialmente de onde hoje residem os municípios de Canguçu, Piratini, Pedro Osório, Arroio Grande e outros. A grande maioria dos negros não eram libertos pelos farrapos, estes no máximo vendiam para a guerra. Então quando atacavam uma fazenda inimiga, eles ofereciam a carta de alforria para que fizessem parte do exército. Os negros nunca tiveram os mesmos ideais da República Rio-Grandense, estavam ali pela sua sobrevivência e a esperança de liberdade. 

O conflito entre as duas repúblicas era danoso para ambos, mesmo após 10 anos de batalha o Império nem reconhecia aquela província como república. E achou melhor resolver o conflito de forma diplomática, Luiz Alves de Lima e Silva que havia se tornado Barão em 41 e escolhendo o nome Caxias para lembrar da sua grande vitória no Maranhão, foi enviado para as negociações. Vale ressaltar que sua carreira foi conquistada também pela sua habilidade de articulação política. No caso, o governo prometeu até ressarcir os gastos com o conflito, para alguns proprietário do exército farroupilha. 

Foi quando um grande impasse surgiu: o que fazer com os lanceiros negros que lutaram por uma década ao lado dos farrapos? O Brasil não iria alforriar negros com treinamento militar em meio ao período da escravidão.

Alguns farroupilhas entregaram os negros de volta a escravidão outros resistiram temendo uma rebelião pela traição que estavam cometendo. Em 1844, Caxias, se encontrou com o general farroupilha David Canabarro e chegaram a uma solução para o conflito. Canabarro ordenou que os Lanceiros negros montassem acampamento, desarmados, no local conhecido como Arroio Porongos, atualmente chamado de Pinheiro Machado.

Na madrugada do dia 14 de Novembro daquele ano os lanceiros negros foram atacados pelo exército imperial. As instruções secretas de Caxias para o comandante legalista da operação dizia: 

“Poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou dos índios, pois bem se sabe que essa pobre gente ainda pode ser útil no futuro". 

O massacre de Porongos foi palco da morte de cerca de até 1.700 lanceiros negros (as estimativas não são exatas), uma verdadeira chacina que representa mais de 50% das baixas de toda a Revolução Farroupilha em seus dez anos de existência .Mais uma vez, foi considerado um projeto de pacificação efetivo para quem importava, os detentores do “sangue brasileiro”. Barão de Caxias terminou sua carta de instrução com “Deus vos guarde”, que irônico.


O Genocídio Paraguaio

Suas sucessivas vitórias levaram ao topo da carreira militar e a comandar o exército em uma das mais importantes guerras que o Brasil enfrentou e o maior conflito internacional da América do Sul, a guerra do Paraguai contra a Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai (1864). Dois anos após o início desse conflito, Caxias assumiu o controle supremo das tropas brasileiras e mais tarde ainda em 1868 ele passou a controlar também o exército dos aliados. 

Um dos resultados desta guerra foi a destruição da economia do Paraguai e a morte de até 69% da população do país. Dessa atuação vem a fama de genocida, claro que não, por parte dos Brasileiros. Ao contrário, dizem que após a Guerra do Paraguai criou-se um sentimento nacionalista militar muito forte. A gente sabe que, na história do mundo, quem vence a guerra sempre conta sua versão cheia de pompas e heroísmo, mas uma verdade implacável sobre histórias é que o comandante sempre assume duas figuras: o herói dos vencedores e o vilão dos sobreviventes. Então nas fronteiras brasileiras, os militares não iriam escrever histórias que mancham a honra da sua instituição ou o legado do seu patrono. Aliás, eles frequentemente articulavam as narrativas para parecer menos opressora.

O maior exemplo dessa falha de memória intencional dos militares é que o governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, aprovou a versão do Hino de Proclamação da República que continha a frase “Nós nem cremos que escravos outrora, Tenha havido em tão nobre País…” em 1890 (dois anos após a abolição oficial da escravatura). 

Porém em 1979, Júlio José Chiavenato publicou (em meio a Ditadura Militar) a obra “Genocídio Americano: A guerra do Paraguai”, contrariando as representações históricas nacionais que nunca foram questionadas. Seu envolvimento com esse genocídio começa quando ele determinou que era mais seguro sair do país, após o decreto do AI 5 e a perseguição que vários jornalistas sofriam. Ao entrar em contato com a realidade paraguaia, com todas as consequências da guerra, ele percebeu que havia ainda um trauma naquele povo. Vários poemas e contos orais, chamados de guarânias, foram escritos sobre revelando uma versão sombria dos acontecimentos. 

Um deles apareceu no jornal quinzenal Cabichuí em 24 de julho de 1868 e dizia: 

Os bárbaros inimigos

Da nossa paz feliz

Eles concordaram em uma guerra feroz

A morte do Paraguai […] 

Enrique D. Parodi (1857-1917 ), publicou na Revista Paraguaya seu poema "Pátria", que destaca o caráter genocida da guerra : 

Pátria, amada deusa do meu culto,

compêndio do meu amor e minha esperança;

berço de patriotismo e nobreza […]

E aí, na solidão da hecatombe

os braços no peito, abandonados,

você espera como Lazarus pela mensagem,

a voz poderosa que diz: marcha!

O sucesso da sua obra, que foi publicada em vários países, não foi recebido de bom grado pelo governo militar Brasileiro. O general Floriano Peixoto Keller escreveu uma carta endereçada ao diretor do Arquivo Nacional, Raul Lima, criticando a obra "Genocídio americano" e solicitando que fosse tomada alguma providência a fim de restaurar a “verdade histórica - em 27 de dezembro de 1979. 

Segundo a pesquisadora Silvânia de Queiróz, apesar de ter lido a obra de Chiavenatto o General Historiador não refutou em nada o seu conteúdo. Ele se limitou a dizer que o livro poderia prejudicar as relações entre o Brasil e o Paraguai e ainda acusou o autor de não ter pesquisado no Arquivo Nacional - como se fosse razoável encontrar a verdade abertamente em livros e registros durante a ditadura. 

Enquanto isso, no acervo do museu Mitre, em Buenos Aires, existe uma carta assinada por Duque de Caxias para o imperador dom Pedro II. O seu conteúdo é explícito: “O general Bartolomeu Mitre [comandante das tropas da Argentina] está resignado plenamente e sem reservas às minhas ordens; ele faz quanto eu lhe indico, como tem estado muito de acordo comigo, em tudo, ainda enquanto a que os cadáveres coléricos, se joguem nas águas do Paraná, já da esquadra como de Itapiru para levar contágio às populações ribeirinhas”. 

Há quem conteste esta evidência e questione as motivações de Júlio José Chiavenatto. Porém a atuação de Caxias na Balaiada e em Porongos, deixam bem evidente a extrema capacidade que ele tinha para promover estratégias de destruição em massa e chamá-las de pacificação.

 

Herói do sangue brasileiro

De forma alguma, um texto como esse vai conseguir diminuir o patriotismo e a memória histórica militar brasileira. Tenho certeza que Chiavenatto ainda será amplamente questionado por conta do orgulho das Forças Armadas - mesmo que eles continuem negando o extermínio de mais da metade do povo paraguaio.

Também acho desleal a ideia de que Duque de Caxias não seja um herói nacional. Verdade seja dita, ele representava a máxima conservadora daquela época: um escravocrata que repudiava negros, um homem da elite que não se importava com os pobres e qualquer minoria, um militar rígido capaz de derramar muito sangue para defender seus ideais. Esse era o nosso país, Luís Alves de Lima e Silva era o campeão que o sangue brasileiro precisava e o demônio que assolava quem tentasse abalar a tranquilidade do Império. 

Só que a sociedade agora é outra. Composta por várias pessoas como os mestiços do Maranhão, indígenas do Paraguai e negros de Porongos. Desconsiderados da sociedade, que, hoje, não precisam respeitar a memória de um homem que só queria proteger o sangue branco brasileiro. 

Espero mesmo que não seja essa a face de Duque de Caxias que o futuro presidente tenha como exemplo.

HISTORIADORES PRETOS CRITICAM LEGADO ''HEROICO'' DE DUQUE DE CAXIAS

Publicado em 25/08/2023 - 10:13 Por Rafael Cardoso - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro.

Pacificador e soldado de vocação, “seus atos de bravura, de magnanimidade e de respeito à vida humana conquistaram a estima e o reconhecimento dos adversários”. Genocida e racista, liderou uma repressão militar que “matou, de forma atroz, cerca de 10 mil pessoas entre a população pobre, negros e mestiços”. 

Descrições completamente opostas, mas que tratam do mesmo sujeito: Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. A primeira está no site do Exército brasileiro, do qual ele é o patrono. A segunda, no site Galeria de Racistas, projeto idealizado pelo Coletivo de Historiadores Negros Teresa de Benguela, pelo site Notícia Preta e por um grupo de publicitários pretros. As diferenças mostram controvérsias entre a história e a imagem do homem que nasceu há exatos em 25 de agosto de 1803. Data em que até hoje é comemorado o Dia do Soldado. 

Caxias é figura comum nas paisagens urbanas do país. Municípios, instalações e monumentos homenageiam o militar. Há estátuas públicas dele em lugares como Curitiba (PR), Marabá (PA), Ipameri (GO), Rio de Janeiro (RJ), Santo Ângelo (RS), Vitória (ES), Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP). 

O Pantheon de Caxias, monumento em homenagem ao Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro, em frente ao Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste. 

Por muito tempo, a narrativa que exalta os feitos e o caráter de Caxias foi hegemônica na sociedade. Hoje ela é sustentada principalmente dentro das instituições militares. Entre os historiadores, há consenso de que para entender melhor a trajetória do militar é preciso, primeiro, desconstruir o culto criado em torno dele na primeira metade do século 20. Caxias nem sempre foi considerado o modelo ideal de soldado da pátria. 


Construindo o mito

Um artigo do pesquisador Celso Castro, da Fundação Getulio Vargas, mostra que desde a Proclamação da República, em 1889, o Exército Brasileiro vivia um processo de crise interna, com divisões profundas entre os membros da instituição. Elas envolviam questões doutrinárias, organizacionais e políticas. 

Um projeto interno começou a ganhar força e considerava que, para unir o Exército, era preciso construir nova identidade institucional e novos símbolos. A escolha de um patrono e de um modelo de soldado era parte importante desse processo. Até então, o general Manuel Luís Osório era o principal herói das forças brasileiras. E a principal comemoração militar ocorria no dia 24 de maio, em referência à Batalha de Tuiuti, na Guerra do Paraguai. Era conhecida popularmente como O Dia do Exército ou a Festa do Exército. 

Nas primeiras décadas do século 20, o nome de Caxias passou a ser visto como mais representativo dos novos interesses militares e políticos do período. Em 1923, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) propôs uma celebração oficial para o Duque, que foi atendida pelo ministro do Exército no mesmo ano. A Festa de Caxias entrou oficialmente no calendário militar. Em 1925, um aviso ministerial oficializou o dia de nascimento de Caxias como Dia do Soldado em todo o país, data que continua sendo comemorada nos dias atuais. 

Ao longo da década de 30, principalmente durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), o fechamento político do país foi acompanhado de uma narrativa militar que evocava Caxias como símbolo de autoridade, disciplina e união. Valores que interessavam aos líderes das Forças Armadas e do próprio Estado brasileiro. 

Em 1935, o então Forte do Vigia, no Leme (zona sul do Rio de Janeiro), mudou de nome para o atual Forte Duque de Caxias. O marco mais representativo veio em 1949, quando o prédio do Ministério da Guerra, inaugurado na Avenida Presidente Vargas (centro do Rio) foi batizado de Palácio Duque de Caxias. Uma estátua do militar, que estava no Largo do Machado, foi transferida para a frente do prédio. Também foi construído um panteão na área, que recebeu os restos mortais de Caxias, da esposa e do filho, que estavam no cemitério São João Batista.

 

Patrono do Exército

Um decreto do governo federal em 1962 oficializou Duque de Caxias como o patrono do Exército Brasileiro. No site oficial a instituição, uma biografia ressalta como ele foi galgando posições nas patentes militares e na hierarquia da nobreza do século 19. Os títulos de marechal e duque vieram depois das atuações na Guerra da Cisplatina (1825-1828), na Balaiada (1838-1841), na Revolução Farroupilha (1835-1845), na Guerra do Paraguai (1864-1870) e contra movimentos de independência em Minas Gerais, São Paulo e na Bahia. 

O patrono ainda é um dos nomes mais celebrados em publicações militares. Uma busca pelo verbete "Caxias” na Biblioteca Digital do Exército encontra 504 itens. Desses, 476 se referem ao período entre 2000 e 2023. Em relação ao conteúdo, monografias mais recentes do acervo trazem análises predominantemente positivas. Em trabalho de conclusão do Curso de Oficiais Médicos, por exemplo, o capitão Jeová Oliveira de Araújo elogia Caxias pela “competência lideracional e a habilidade de negociar” durante os conflitos da Balaiada e da Revolução Farroupilha. Em outro texto, produzido na especialização em Ciências Militares do Exército, o capitão Clayton Assis Thomaz afirma que Caxias criou “um modelo de liderança que viabilizou a vitória brasileira” na Guerra do Paraguai e seria, portanto, “um exemplo a ser seguido no que se refere à união da tropa”. 


Derrubando o mito

Em 2008, a historiadora Adriana Barreto de Souza publicou o livro Duque de Caxias: o homem por trás do monumento. Em entrevista à Agência Brasil, ela explica que a imagem institucional do militar é baseada em pelo menos dois mitos que não se sustentam historicamente. O primeiro deles diz respeito ao rigor e à disciplina. É comum uma pessoa com essas características ser chamada de “caxias”.

“A formação na Academia Militar no início do século 19, quando o jovem Luís Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias) a frequentou, funcionava precariamente e, para os padrões atuais, era totalmente desmilitarizada: o regime era de externato, as regras disciplinares eram as mesmas das escolas civis e os alunos sequer usavam uniformes”, diz a historiadora. “O padrão atual, que faz uma associação direta entre a carreira militar e a incorporação de um conjunto de valores orientados por uma disciplina rigorosa, pela aquisição de conhecimentos técnicos específicos e por uma forte unidade corporativa, não valia para o Exército do século 19”. 

Outro mito é o de que Caxias não se envolvia em questões políticas. Segundo Adriana Barreto, isso era simplesmente impossível na época. Todas as patentes altas eram distribuídas diretamente pelo monarca brasileiro e esses militares eram parte constituinte da Corte Imperial. Além disso, Caxias tinha vínculo partidário bem explícito. O currículo político é extenso: chefe militar do Partido Conservador; deputado pelo Maranhão em 1841, presidente das províncias do Maranhão (1839-1841) e do Rio Grande do Sul (1842-1846 e 1851-1852); vice-presidente de São Paulo (1842), senador pelo Rio Grande do Sul em 1845 (cargo vitalício); e ministro da Guerra em 1853, 1861 e 1875.

 

Galeria de Racistas

Com o objetivo de descontruir narrativas históricas enviesadas, o Coletivo de Historiadores Negros Teresa de Benguela criou a Galeria de Racistas. O site lista monumentos de brasileiros que cometeram crimes contra a humanidade. O projeto surgiu no contexto dos protestos pela morte de George Floyd, nos Estados Unidos, e a derrubada da estátua de um traficante de escravos na Inglaterra, ambos em 2020. O Duque de Caxias foi incluído na galeria por causa de ataques contra escravizados e quilombolas. 

“Podemos falar em um herói com a estátua suja de sangue. Um exemplo é que ele agiu de forma diferente na Revolução Farroupilha, liderada por uma população mais branca, de descendência europeia, e na Balaiada, uma revolta que tinha quilombolas, uma população negra e pessoas de origem ameríndia. Foi por causa desse último conflito que recebeu o nome de Caxias: era o mesmo nome da cidade no Maranhão onde a repressão liderada por ele matou cerca de 10 mil pessoas”, diz Jorge Santana, do Coletivo de Historiadores Negros. 

Segundo o historiador, o racismo de Caxias ficou mais evidente quando ele lidou com dois grupos diferentes da Revolução Farroupilha. Com os líderes brancos, o militar preferiu negociar do que ir para o confronto armado. E o acordo envolveu a traição a um grupo de soldados negros que tinha se juntado à Revolução, com a promessa de ser libertado ao fim do conflito. Um dos comandantes farroupilhas, David Canabarro, enviou carta para Caxias com as coordenadas geográficas do local onde estavam os soldados que ficaram conhecidos como lanceiros negros.  

“Ele agiu com repressão armada, mas também com estratégias de espionagem, suborno e intriga. Porque ele aprendeu que uma maneira de manter a hierarquia da sociedade não era somente por meio do açoite, mas também por meio de outras estratégias”, complementa a historiadora Camilla Fogaça.

 

Um novo patrono?

Já que o nome de Caxias simbolizava um projeto político específico do início do século 20, seria o caso de escolher um novo patrono para o Exército? 

“O Caxias foi construído em torno de uma imagem disciplinada, hierarquizada e apolítica. É um tipo de Exército mais violento que vai ser exaltado em 1920. E agora, qual a imagem que se quer passar do Exército?”, questiona Camilla Fogaça. “Monumentos como os de Caxias emitem valores. Querer que ele continue sendo um herói e um pacificador nos termos do passado é muito problemático. Ainda mais quando a gente tem hoje assassinatos de crianças por agentes do Estado”. 

“Não há dúvidas de que ele colocou suas habilidades de militar a serviço de um projeto de Brasil ultraconservador. Como chefe militar do Partido Conservador, defendeu uma monarquia assentada na escravidão”, analisa a historiadora Adriana Barreto. “Uma cultura militar que, infelizmente, persiste ainda nos nossos dias: a de um Exército que se construiu não na defesa do inimigo estrangeiro, mas na repressão a cidadãos brasileiros e a outros projetos políticos de Brasil”. 

“A história é sempre feita em relação ao presente. Então, o presente olha para o passado e vê aquelas ações como erradas, criminosas e incompatíveis com a carta constitucional vigente de 1988. Portanto, para a sociedade do presente, essa figura não pode estar em um pedestal como um herói, porque o herói é um modelo que inspira a sociedade. Com uma Constituição que condena a escravidão e os crimes de guerra, ter um herói nacional como Caxias é uma contradição”, diz Jorge Santana. 

A reportagem da Agência Brasil entrou em contato com o Exército para comentar as críticas ao patrono da instituição, mas até o momento não houve resposta.

FONTE: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/historiadores-negros-criticam-legado-heroico-de-duque-de-caxias 


HINO DO GOLPE DE ESTADO
 DA REPUBLIQUETA DAS ELITES

Seja um pálio de luz desdobrado

Sob a larga amplidão destes céus

Este canto rebel, que o passado

Vem remir dos mais torpes labéus! 

Seja um hino de glória que fale

De esperanças de um novo porvir!

Com visões de triunfos, embale

Quem, por ele, lutando surgir! 

Liberdade! Liberdade!

Abre as asas sobre nós

Das lutas na tempestade

Dá que ouçamos tua voz 

Nós nem cremos que escravos outrora

Tenha havido em tão nobre País

Hoje o rubro lampejo da aurora

Acha irmãos, não tiranos hostis 

Somos todos iguais! Ao futuro

Saberemos, unidos, levar

Nosso augusto estandarte que, puro

Brilha, ovante, da Pátria no altar! 

Liberdade! Liberdade!

Abre as asas sobre nós

Das lutas na tempestade

Dá que ouçamos tua voz 

Se é mister que de peitos valentes

Haja sangue em nosso pendão

Sangue vivo do herói Tiradentes

Batizou neste audaz pavilhão! 

Mensageiro de paz, paz queremos

É de amor nossa força e poder

Mas, da guerra, nos transes supremos

Heis de ver-nos lutar e vencer! 

Liberdade! Liberdade!

Abre as asas sobre nós

Das lutas na tempestade

Dá que ouçamos tua voz 

Do Ipiranga, é preciso que o brado

Seja um grito soberbo de fé!

O Brasil já surgiu libertado

Sobre as púrpuras régias de pé 

Eia, pois, brasileiros, avante!

Verdes louros colhamos louçãos!

Seja o nosso País triunfante

Livre terra de livres irmãos! 

Liberdade! Liberdade!

Abre as asas sobre nós!

Das lutas na tempestade

Dá que ouçamos tua voz!

Comentários