POLÍTICOS CORONÉIS DOS VEÍCULOS DE MÍDIA
Dominado pela iniciativa privada, o sistema de radiodifusão brasileiro funciona por meio de concessões públicas. Isso significa que todas os canais de rádio e televisão precisam de uma autorização para ocupar uma faixa do espectro eletromagnético, um espaço físico limitado e regulado pelo poder público. A Constituição determina que são de atribuição do Executivo a concessão e a renovação de licenças de emissoras de radiodifusão, e também que parlamentares não podem manter contrato com empresas concessionárias do serviço público. No caso do sistema de outorgas para emissoras de rádio e TV, o Código Brasileiro de Telecomunicações proíbe que parlamentares ocupem cargos de diretor ou gerente em empresas do setor. Entretanto, o controle político, direto ou indireto, de veículos de mídia, é fato frequente e usual no Brasil¹. Essa realidade decorre em grande medida do poder de controle direto do outorgantes (presidentes da República) e dos congressistas que atuaram de acordo com interesses da classe empresarial e política quando, muitas vezes, pertenciam a ambas. Essa dinâmica produz uma relação mutuamente vantajosa sustentada pela autorização do usufruto de um meio difusor de conteúdo, de largo alcance e potencial singular de manipulação da opinião pública em troca de apoio ao governo (Santos, 2006). Semelhante à rede de influências entre poder público e o poder privado dos chefes locais descrita por Victor Nunes Leal em 1948, o compromisso recíproco entre poderes nacional e local é a lógica que fundamenta o sistema organizacional da estrutura brasileira de comunicações definido por Suzy dos Santos como coronelismo eletrônico. O coronelismo eletrônico é, portanto, uma expressão do fenômeno coronelista definido por Nunes Leal em meados do século XX para explicar as relações de (concessão de) poder entre governos nacionais e estaduais que desembocam na influência destacada de uma figura política ou não política a nível local, caracterizada também pelo mandonismo, pelo clientelismo, pelo filhotismo… Em resumo, embora a noção de emissoras de rádio e TV públicas divirja severamente daquilo que a nós, brasileiros, nos habituamos, a radiodifusão tem caráter público*. Isso significa que, para funcionarem, a Globo, o SBT e a Record ocupam um espaço físico limitado, o que em tese é motivo suficiente para que, no mínimo, não fossem usadas para servir a interesses próprios. O mesmo, rigorosamente o mesmo, vale para os políticos coronéis, que driblam a constituição para explorar concessionárias de rádio e televisão. Meio e mensagem A mensagem é questão chave quando se pretende estimar a eficiência de um meio de comunicação. O primeiro critério e, logo, condição, é o êxito da transmissão. Por isso, o fator acesso é o mais relevante no processo de análise dos meios. Então, consideremos o acesso à internet um indicador quantitativo de eficácia e o poder de influência no voto, um indicador qualitativo. Segundo registros do IBGE em 2018, a televisão está em 96,5% dos lares brasileiros. Apesar da presença massiva há décadas, esse número está em decréscimo. Em 2017, mais de 97,2% das casas do país possuíam um aparelho de televisão, digital ou analógico. A mesma pesquisa mostra que, no mesmo período, o número de residências conectadas à internet passou de 69,3% para 74,9%. Em 2018, 80% das casas em área urbana já possuíam acesso e, na área rural, onde o crescimento foi ainda mais acentuado (7,4 pontos percentuais), o número chegou a 41%. Do ponto de vista da confiabilidade, a internet também vive uma crescente. E durante a última disputa eleitoral, o número de eleitores que se informavam pela internet e redes sociais já superava¹ o dos que preferiam a TV: 43% contra 36,7%. De fato, os resultados da última eleição reforçaram a perda de protagonismo das grandes emissoras e da mídia tradicional em geral. Apesar da notável renovação no Congresso consequente das últimas eleições, políticos indicados pela Folha² como sendo ligados a empresas de comunicação, eleitos em 2014, foram reeleitos em 2018, ou para o Congresso Nacional ou para outros cargos eletivos. É o caso, por exemplo, do atual governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD), ex-deputado estadual e proprietário de uma rádio no interior do estado. Dados os aspectos funcionais da internet e a definição conceitual de coronelismo eletrônico, enxergo cada vez menos oportunidade e espaço para os coronéis eletrônicos.
O comportamento eleitoral, assim como as tecnologias, é mutável. As eleições municipais deste ano trarão respostas mais concretas sobre sua chance de sobrevivência. Ainda assim, em vista da construção de poder sustentada há décadas pelas classes política e empresarial, parte das estruturas da oligarquia comunicacional se mantém, adaptando-se aos novos ambientes. Convenhamos, os grandes grupos que fizeram da radiodifusão uma herança de família estavam um passo à frente de quem ainda não contava com a imagem, a visibilidade e relativa confiança da sociedade, e viu nas redes sociais uma oportunidade de ousar produzir conteúdo. Por essa razão, além da escassez de estudos na área, limito-me a não subestimar o poder do coronelismo eletrônico, que incide sobre estados e municípios. E sobre a democratização da política através da internet, uma reflexão. Não se podem negar as possibilidades, a pluralidade, tampouco a quantidade, de ideias na internet em comparação com veículos de rádio e televisão pertencentes à grande mídia. No entanto, a discussão sobre este tema exige igual atenção à forma como estratégias de comunicação vêm sendo traçadas. Como ignorar o efeito das fake news? A atuação de robôs pode fazer parte do ativismo? Qual é e pode ser a participação de empresas privadas na difusão de mensagens políticas? Acesso a informação é acesso a qualquer informação? *Em outro artigo, discutiremos o papel da comunicação pública, as diferenças entre comunicação pública e estatal e a situação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) com mais informações sobre os questionamentos na Justiça às concessões inconstitucionais vigentes.
REFERÊNCIAS:
¹ 43% dos eleitores se informam pela internet e 37% pela TV, diz pesquisa. Poder360. 01 de agosto de 2018.
² Congressistas eleitos têm 55 concessões. Folha de S. Paulo. 13 de dezembro de 2014. BIBLIOGRAFIA LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 7. ed. São Paulo: Schwarcz, 2012. SANTOS, Suzy dos. O coronelismo eletrônico como herança do coronelismo nas comunicações brasileiras. 2006. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), v. 13. E-Sucupira. Naiara Marques de Albuquerque Integrante da Metapolítica, jornalista formada pela UnB, mestre em Comunicação Institucional e Política pela Universidade de Sevilha – Espanha. Post anterior.
FONTES:
https://www.metapolitica.com.br/2020/03/09/internet-e-a-ameaca-aos-coroneis-eletronicos/
https://www.jornalistas-rs.org.br/detalhes-noticia/?txtIdNoticia=233
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